terça-feira, 7 de maio de 2013

O BOM EXEMPLO


                                                                           



                                                                      
                                                                  





       Por Walter Passos- Historiador e Hebreu-Israelita
                                                                                            Pseudônimo: Malachiyah Ben Ysray
E-mail: walterpassos21@yahoo.com.br
Skype: lindoebano
Facebook: Walter Passos 

- Bom dia!
Respondeu mansamente à saudação da vizinha.
E caminhava todo garboso ao mister ocupacional. Aprendera desde pequenino que trabalhar dignifica o homem.
O Seu Florisvaldo, homem de elevada estatura, com quase dois metros de altura, musculoso, um deus de ébano. A sua pele reluzia ao sol, uma cor preta azulada, parecia um veludo, raramente encontramos essa cor epitelial na cidade de Salvador, nos dias de hoje.
Homem sério, não dado aos vícios da saborosa e da chupeta do diabo. Nem dominó jogava mais. Roda de samba? Nem pensar. Apesar de que quando jovem foi um exímio jogador de capoeira e dançarino nos salões dos clubes e em casas onde ocorriam bailes em períodos festivos. 
Os mais antigos contavam que ele foi um Don Juan e deixou diversas donzelas apaixonadas e chorosas por causa dos seus galanteios. Nessa época era conhecido como “Nego Nagô”. Ele mesmo colocou esse epíteto por não apreciar o nome Florisvaldo colocado pelo seu padrinho, um homem solteirão e cheio de trejeitos. E na infância o chamava de Flor.
O seu lazer era lustrar o seu valoroso instrumento de sopro, o sousafone, e ensaiar nos dias de sábados e feriados para tocar na Banda de certa igreja nos cultos dominicais.
Orgulhava-se de ser um ”homem transformado” e não professar a religião do passado. Gostava de afirmar:
- Os meus antigos não tiveram oportunidade de conhecerem a verdade. Não se livraram da maldição vinda da África! Eu sou um homem livre espiritualmente. Sou lavado no sangue do cordeiro!
Dizia-se compreensivo com a religião dos avôs e dos pais e sempre dava testemunho da sua nova vida, sem ser inconveniente. Falava se perguntado e sentia-se incomodado quando algum amigo das antigas relembrava dos seus canoros toques de atabaque.
Considerado e muito respeitado, tanto assim, que era o presidente da Associação de moradores do bairro e exemplo a ser seguido pelos mais novos.
Um homem bem casado como gostava de falar e tinha muito respeito pela patroa (esposa) e amor pelos filhos e filhas, empafioso afirmava de bom tom:
- Educação começa em casa!
Se algum amigo intimo questionasse a sua rigidez no trato com os familiares, afirmava:
-É necessário ser duro na educação das crianças. Não quero as minhas filhas “mal faladas” ou no futuro se tornem “mulheres da vida” e os filhos vagabundos e nem chibungos.
Ele não aceitava “conformes”. E agia com austeridade sobre as queixas dos vizinhos a respeito dos meninos, e por sinal, eram constantes, porque eram crianças bem ativas, melhor hiperativas. 
Jogavam pedras nas casas dos vizinhos. Amarravam cabeça-de-nego nos rabos dos gatos, não levavam desaforos para casa e sempre estavam envolvidos em brigas nas ruas e outras arruaças de meninos. Apesar de serem proibidos de brincarem na rua. Sempre davam um jeitinho.
As três meninas não saiam e ficavam ajudando em casa e aprendiam as prendas do lar.
Dona Mariana, “uma tinta fraca” a patroa (esposa) do seu Florisvaldo não possuía atitude com as crianças porque sempre quem resolvia era ele: O Homem da Casa.
Uma mulher recatada, não colocava a cabeça para fora do cafofo, a voz não se ouvia, raramente ia ao quintal, somente quando ia cuidar das plantas e lavar as roupas. As compras quem fazia era ele e comprava a seu bel-prazer.
Em uma sexta-feira no crepúsculo do dia, cansado da labuta ao caminho de casa, é chamado por uma vizinha, dona Bárbara.
- Seu Florisvaldo, Boa Noite! Já e quase noite! Uma prosa por gentileza!
Ele responde com a sua voz mansa e séria. Não se sentia bem conversando com mulheres casadas e muito menos ela, pois a considerava espótica e dada a escarumaças. 
- Boa noite Vizinha! Pode prosear, mas, seja breve.
A vizinha, com as mãos nas cadeiras, disse:
- Vou falar coisas o que eu não queria, mas, os seus dois meninos, hoje à tarde, por volta das três horas, brigando com o filho de D. Filomena, jogaram pedras e acertaram lá em casa, quebrando o jarro da minha planta comigo-ninguém-pode que eu tenho na varanda e ainda não terminei de pagar na mão do Seu Zé Francisco, o cearense que vende de tudo.
Continuou exasperada:
- Ralhei com os seus meninos e ainda me deram banana! Vê se pode uma ousadia dessas? Pedi ao meu homem para prosear com o senhor, mas, ele é um imprestável.
- Não falei com a sua mulher porque ela é uma vizinha que não sai de casa, uma pessoa de muito respeito, não dada às fofocas. Dizem que eu sou fofoqueira, mas gosto das coisas bem certinhas. Achei melhor me queixar ao senhor que é o homem da casa.
O olhar manso de seu Florisvaldo, transformou-se, ficou arregalado e a sua pele tornou-se cinza de vergonha. Respondeu:
_ Obrigado vizinha! Esse fato não se repetirá irei conversar com esses insolentes e com a patroa.
Chega a casa, o jantar já estava na mesa, um cozido com bastante chupa-molho, porque assim ele gostava. Fez uma vistoria no cafofo, viu se os moveis estavam limpos e tudo em ordem, e se não haviam bulido no seu sousafone, as crianças de banho tomado como ele exigia.
Intima os dois meninos e a esposa trêmula previa o que iria ocorrer.
Os meninos chegam chorosos e ele grita:
- Homem não chora! Vocês sabem o crime que cometeram!
Pega a palmatória talhada em madeira de lei e com a voz alterada e embargada de nervoso:
- Desavergonhados e desassuntados vão tomar dez bolos em cada uma das mãos por darem banana a vizinha e tacarem pedra na varanda dela. Sem-vergonhas!
Os meninos como ovelhas indo ao matadouro colocaram as mãos já calejadas de tanta pancada em cima da mesa de massaranduba e choramingaram com o castigo.
Ao terminar, seu Florisvaldo recitou um verso bíblico:
- "Ensina a criança o caminho que deve andar e ainda quando for velho, não se desviará dele.” Provérbios 22:6 
E determinou que as crianças dormissem sem direito ao jantar para aprenderem a lição.
Chamou a sua patroa e disse:
- Mulher, você deveria tomar conta melhor dos meninos. Para aprender vai tomar um bolo de palmatória em cada mão, e exemplou a D. Mariana.
Após, recitou o verso bíblico:
- “Mulher virtuosa quem a achará? O seu valor muito excede ao de rubis.
O coração do seu marido está nela confiado; assim ele não necessitará de despojo. Ela só lhe faz bem, e não mal, todos os dias da sua vida.” Provérbios 31:10-12.
Sentou-se a mesa feliz pelo dever cumprido e esperou o jantar. D. Mariana lacrimejando o serviu.
No sábado nem ele e nenhum membro da família colocou os pés na rua. A casa era um silêncio total. Ouvia-se o som do sousafone e seu Florisvaldo absorto, deliciava-se com as notas musicais.
No domingo de manhã o seu Florisvaldo saiu de casa com a patroa e os filhos e filhas para a escola dominical, e nas mãos o seu precioso sousafone.
Ao passar por uma quitandinha, a vizinha que havia feito a queixa, tinha ido buscar o seu marido bêbado contumaz. Disse ao ébrio em bom tom:
- Seu descarado! Boca de Fubuia! Você tinha que seguir o exemplo do seu Florisvaldo, ele que é um bom pai de família.

Glossário:
Cabeça-de-nego: bomba de festa junina
Cafofo: casa simples
Chibungos: homoafetivos 
Chupa-molho: costela de boi
Chupeta do diabo: cigarro
Dessasuntados: pessoas sem assuntos
Escarumaças: contendas
Espótica - ousada
Fubuia- cachaça
Saborosa- antiga cachaça da Bahia
 

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